À conversa com Fernando Alle, realizador de "Mutant Blast"


Estivemos à conversa com Fernando Alle, realizador do filme made in Portugal: Mutant Blast. Estreia já dia 17 em todo o país!  Entre gargalhadas e boa disposição, conta-nos Fernando um pouco da experiência de rodar um filme com pouco budget, a mensagem ecológica que quis transmitir através do humor e do gore, o que espera no futuro e um convite ao apoio do bom cinema português.


CAFÉ MAIS GEEK Olá, Fernando. Desde já, muito boa tarde e obrigada por dispensares este bocadinho para falar connosco. Tenho-te a agradecer porque sei que és uma pessoa muito ocupada, agora que vais ser ainda mais famoso e tal.

FERNANDO ALLE (ri-se) Sou famoso? Não tinha ideia.

C.M.G. Sim, és famoso desde os tempos do Papá Wrestling. Tanto que a primeira vez que ouvi falar de ti foi por causa dessa curta, que foi épica na altura, já há uns 10 aninhos atrás. Eu fui ver o teu filme por convite do ICA e estava à espera que estivesses lá, mas estavas ocupado com outros deveres. Estava lá o Joaquim, o Pedro. Só faltavas lá tu. Mas foi muito fixe. Eu estava à espera de um típico filme de zombies, mas lá está, foi muito mais do que isso. Tu, como realizador e argumentista do filme, pelas tuas próprias palavras, como descreverias o filme a alguém que ainda nem sequer ouviu falar dele de todo?

F.A. Diria que é o filme de zombies para quem já está farto de filmes de zombies. É a minha carta de amor e a minha carta de despedida ao género. É uma comédia com inspiração nos filmes do Peter Jackson, do Sam Raimi , Big trouble in little china (1986) do John Carpenter. É todas essas influências mas também é um filme que quer trazer algo de novo ao género e acima de tudo é uma comédia e é um filme com coração sobre a amizade e com muito sangue... (risos).

C.M.G. E muitas tripas (rimo-nos em uníssono). Olha, está mesmo quase a estrear o teu filme. Como é que te sentes? Nervoso, ansioso? Ou estás seguro de que as pessoas vão receber bem o filme? As críticas até agora têm sido boas, certo?

F.A. Sim, eu sinto-me ansioso, obviamente, isto é um trabalho de anos e anos. Sete anos da minha vida que me ocupou este filme... Eu não me sinto ansioso relativamente à recepção porque o filme tem sido extremamente bem recebido lá fora. Ainda a semana passada fomos confirmados no Festival de Leeds que é um festival que tem na seleção o novo filme do Terrence Malick, o The Irishman de Martin Scorsese e eu já me sinto bastante seguro que é um filme de qualidade. Agora a recepção do público português vai ser uma incógnita. Obviamente, há sempre aquele preconceito e nunca foi feito nada assim e então ninguém faz ideia quais serão os resultados do filme. Mas nós sabemos que as pessoas que o forem ver, não sei quantas irão, mas todas as pessoas que o forem ver, vão gostar imenso e acreditamos que o filme vai ter um passa palavra. Estou a contar que essa seja a nossa arma secreta para o sucesso. Acho que é um filme que as pessoas dizem: tu tens que ir ver e nem vou contar o que acontece, tens de ir ver para acreditar. Estamos a contar com isso, para que o filme tenha sucesso. Mas sim, estou ansioso.

C.M.G Eu acho que o filme vai ter imenso sucesso. Adorei, fartei-me de rir. Digo-te que ri e até me emocionei com o discurso do “Homem Lagosta”. Foi muito bonito, foi um toque do qual não estava nada à espera. Por falar do Homem Lagosta, de onde surgiu esta ideia? Confesso que é a parte que mais gostei do filme: o Homem-Lagosta!

F.A. Eu acho que é a parte que toda a gente mais gostou do filme. Todas as críticas online dizem que o homem-lagosta rouba o filme, que é a personagem mais hilariante que viram nos últimos anos e tudo isso enche-me o coração de alegria. Para mim a lagosta, eu sempre tive um fascínio por lagostas e fascínio sobre a nossa relação com o mundo animal da forma que nós decidimos quais são os animais que não são aceitáveis comer, quais não são aceitáveis fazer parte da nossa alimentação e eu sempre achei um pouco estranho a forma como nós seres humanos lutamos para que os golfinhos não sejam caçados no Japão mas não queremos saber das lagostas. Porque as lagostas são nojentas. Então quis criar um papel para uma lagosta que fosse uma personagem que criasse bastante empatia com o espectador e foi daí que nasceu a ideia.

C.M.G E porquê francês? Tu tens aqui um padrão. Também já usaste o francês anteriormente no Banana Motherfucker.

F.A. No Banana Motherfucker, isso foi o Pedro! O argumento foi do Pedro, por isso não posso tirar crédito da personagem falar francês. Aliás, o facto do porquê termos uma lagosta a falar francês, é respondido no filme e até fazemos um “gag” (gag reel)  à volta disso e achei que já que a lagosta é uma personagem muito romântica e o francês é a língua do amor por isso pareceu-me óbvio termos a lagosta a falar francês em vez de português.

C.M.G Sim, é romântica e profunda… Falando da lagosta, tu tens algum problema com golfinhos? Será porque têm um formato meio de banana? É algum trauma de quando foste atacado no Banana Motherfucker?

F.A. (ri-se) Eu não tenho nada contra golfinhos. Isto pode parecer estranho para quem está a ler esta entrevista e ainda não viu o filme. De onde surge esta pergunta: o que é que o Fernando tem contra golfinhos?!

C.M.G Estamos a tentar aguçar-lhes a curiosidade (será que conseguimos?)

F.A. É uma personagem (Homem-lagosta) que tem opiniões muito fortes em relação a golfinhos mas são as opiniões da personagem. Eu não partilho da mesma opinião.

C.M.G Claro… tinha de perguntar, mesmo sendo uma pergunta parva. Por falar em parvoíce, tu achas que existe alguma moral na história? Era tua intenção haver uma moral? Partilha connosco.

F.A: Isso é uma coisa que as pessoas ficam muito surpreendidas porque isto é um filme com uma mensagem ecológica. Que realmente é atual, porque é um assunto que tem estado muito presente atualmente mas o guião foi escrito em 2012 e eu nunca pensei “Vou escrever um filme com uma mensagem”. As minhas ideias fluíram para o argumento. Eu não me sentei e pensei vou debitar aqui as minhas ideias filosóficas neste filme. Foi simplesmente uma coisa que aconteceu naturalmente e acho que acontece que a mensagem é dita enquanto faz as pessoas rir. Se paramos o filme para  estar ali a debitar uma mensagem, de repente as pessoas ficam aborrecidas mesmo que concordem com a mensagem que eu estou a passar. Então esse sempre foi o objetivo: o de ser um filme de entretenimento. Aliás eu fiz isso com a minha primeira curta metragem: é anti bullying. Mas a piada é o choque de ver um wrestler gigante a matar crianças.

C.M.G. Achas que hoje em dia, dez anos depois, seria aceite? Em 2009 sim, mas hoje?

F.A. Acho que tem tudo a haver com a mensagem. Quando nós olhamos por exemplo, falas de 2009… quando saiu o Tropic Thunder, isto em 2018, acho que seria impossível fazer aquele filme hoje em dia: o black face do Robert Downey Jr ser contextualizado a gozar com os atores. Não é uma coisa propositadamente racista mas realmente é questionável se há dez anos atrás terá sido a última altura em que se ainda se podia usar certo tipo de humor. Eu acho que depende porque no caso do Papá Wrestling nós não estamos a matar crianças só porque sim.

C.M.G. São bullies.

F.A. Exactamente, eu tenho que dizer ao espetador, é OK rires-te. É tudo um exagero. É um universo à parte. Se houvesse uma sequela do Papá Wrestling não iria a polícia a casa dele, porque estamos num universo quase cartoonesco. Não é o nosso universo. E essa questão do humor ofensivo ou não, depende da forma como nós apresentamos as coisas. Então a partir do momento em que estamos aqui a lidar com um universo completamente fantasioso, dá para fazer humor mais arriscado. Mas curiosamente o Mutant Blast é bastante inofensivo em termos de conteúdo, apesar de haver muitas cabeças a explodir. Acho que é um filme que quase podia ser adequado a toda a família. Umas 30 ou 40 explosões de cabeça a menos…

C.M.G. E facas em cérebros e botas que esmagam cabeças.

F.A. Se tirássemos essas mortes todas dava um bom filme para crianças. (gargalhadas)

C.M.G Mas não seria tão bom… Olha, tenho-te a dizer que gostei muito de teres referido o facto do filme ser um carta de amor/ carta de despedida a filmes de zombies. Porque o filme começa de facto como um filme de zombies mas depois é mais do que isso, mete monstros, mutantes e achei também interessante o facto do Apocalipse estar a suceder, para variar, em Portugal e ser por incompetência! Foi porque alguém carregou num botão avariado e rebentou uma bomba nuclear... Nessa perspectiva, será que tinhas alguma ideia, quiçá não política, mas de crítica social de que para o Apocalipse acontecer em Portugal teria de ser por incompetência?

F.A. Eu penso que nem diria em Portugal. Eu escrevi o filme e o fazer das pessoas que estão no topo, os vilões, serem incompetentes não teve qualquer mensagem política por detrás. Mas se olharmos para o panorama atual com Donald Trump, Bolsonaro, pode-se atribuir uma conotação política também ao filme, embora o filme tenha mensagens ambientais, sobre o lugar da humanidade no mundo, essa questão não foi minha intenção, mas penso que até possa ter alguma relevância, um pouco assim sem querer. 

C.M.G. Uma última pergunta, que deves estar com muito que fazer com o aproximar da estreia. Tu agora, já tens duas curtas na manga, agora o Mutant Blast a estrear… Já estás com algum projeto novo em vista? Ou estás ainda a colher os louros deste filme? A descansar?

F.A. Eu agora só vou descansar quando o último cinema estiver a passar o Mutant Blast em uma sessão diária.. Aí, então, eu descanso. Agora a minha luta diária é fazer com que os portugueses vão ver o filme ao cinema. Temos muitas cartas na manga para provar ao espectador que este filme vale a pena. É um filme que já esteve em mais de 25 festivais. Já ganhou prémios, tem críticas internacionais todas bastante positivas. Mas não damos nada por garantido, não estamos sentados no sofá, estamos a trabalhar todos os dias para criar conteúdos na internet, a fazer acções de promoção para que as pessoas vão ao cinema e dêem uma oportunidade a este filme. Só depois do filme sair das salas é que irei pensar num próximo. Espero que o sucesso do Mutant Blast proporcione um próximo filme. O Mutant Blast não foi feito com o maior orçamento do mundo, por isso demorou anos a ser feito. Espero que o próximo demore menos tempo. Não tenho nada novo escrito, mas em 2020 irei escrever. Eu gostava muito de fazer um filme de artes marciais, mas teria de ser com um orçamento maior.

C.M.G. Claro… achas que poderias contar outra vez com a Troma, com Lloyd Kaufman? Até que ponto se envolveu com o projeto? Como foi essa relação?

F.A. A relação foi bastante boa, porque eles são realizadores e então entendem o que é ser um realizador. Eles muitas vezes davam sugestões e eu não as aceitava e eles diziam que tudo bem e deixavam-me em paz. Estando a um oceano de distância, então eles nem me conseguiam obrigar a aceitar as notas deles. Eles foram os primeiros financiadores a apostar no filme, depois mais tarde recebemos apoio do ICA. Sempre foi uma boa relação. A Troma é uma produtora que é para iniciar mas eu vejo-me a evoluir, até a ter a minha própria produtora. Quem sabe, daqui a uns anos, estar em Hollywood. Por isso, penso que o caminho será sempre evoluir.

C.M.G. Então vais levar Portugal a Hollywood. Muita sorte em tudo e muito obrigada por este bocado. Nós no Café Mais Geek ficamos a torcer por ti.

F.A. De nada, foi um prazer. Eu até conheci um de vocês, um rapaz de Coimbra, aqui no IberAnime, no Porto, portanto já conheço o Café Mais Geek. Agora chateia toda a gente que conheces para ir ver o filme, passa palavra.

C.M.G. Obrigada, Fernando. Assim o faremos. Até uma próxima.

Catarina Loureiro
Escrito por:

Autora. Artista. Cismadora.

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