Variações - “Que me importa o que serei, quero é viver”


Chega finalmente aos cinemas o que é o fruto de quase 10 anos de produção, Variações da produtora nacional David e Golias. O projecto, realizado por João Maia, que se aventura agora, pela primeira vez, no universo das longas metragens, terá sofrido muitos atrasos ao longo da última década, como já é de esperar em produções nacionais e o imenso problema da falta de fundos para o Cinema Português. Foi na recente 4ª Edição dos Encontros do Cinemas Português que o Café Mais Geek teve acesso ao trailer e a uma preview exclusiva do filme. Neste evento, ficou-nos a vontade de ver o filme completo ali mesmo. Felizmente, a convite da NOS Cinemas, não tivemos de esperar muito e foi com antecipação e as expectativas altíssimas que abraçamos esta biografia da carreira de António Joaquim Rodrigues Ribeiro aka António Variações, o artista português mais arrojado e irreverente dos anos 80.

Começo desde já por explicar que este filme é muito mais que biográfico. Focando-se sobretudo no período de vida em que António se transforma de Ribeiro a Variações, cobrindo os anos de 1977 a 1981, é acima de tudo, uma obra de arte. Tal como o ícone, o filme é extravagante, introspectivo e acima de tudo poético. Sem nunca cair no aborrecido, cena após cena, ganhamos cada vez mais respeito pela criança nortenha que apenas com 12 anos, apaixonado pelo som de Amália Rodrigues, se mudou para Lisboa em busca de um sonho. O fascinante de Variações sempre foi a sua maneira de ver a vida. Num país pós ditadura, profundamente atrasado em relação ao resto do mundo, ele era uma chama ardente no meio das gentes cinzentas e não só porque se vestia daquela maneira pouco convencional, mas pelo seu inconformismo e acima de tudo, amor pela música.

É Sérgio Praia, actor com repertório televisivo, com participações em inúmeras novelas e mini-séries, que brilha como António Variações. Confesso que a certa altura já não conseguia distingui-lo do original. Um aplauso à equipa de caracterização que o conseguiram transformar dos pés à cabeça tal e qual Variações. Sérgio, que nunca tinha cantado antes, canta quase todas as músicas, excluindo a que encerra o filme, com a mesma alma e o estilo de voz único do músico. Mais uma vez, já não sei se escuto o imitador ou o imitado e aprecio de olhos arregalados o que podia muito bem ser uma produção hollywoodesca de milhões, tal é a gigantesca qualidade!

Também de destacar a veracidade e rigor histórico que guia a trama. O cuidado, a atenção dada ao detalhe é de louvar. Com cenas rodadas entre Lugar de Pilar, aldeia onde nasceu e as ruas da capital, onde trabalhou como barbeiro no nº 70 da Rua de São José ou no Trumps, discoteca onde em 1981, António Variações atuou pela primeira vez ao vivo com banda, trazendo a palco as músicas que compunha e gravava em casa. Quem já não terá ouvido falar das míticas (e muitas!) cassetes de Variações, onde com um simples gravador e acompanhado com apenas um metrónomo, o artista despejava a alma, cantando às quatro paredes.

Actores como José Raposo, Victoria Guerra e Filipe Duarte, entre outros, juntam-se ao elenco, garantindo uma qualidade impressionante de representação. Merece ser destacada, a performance de Filipe Duarte que dá vida a Fernando Ataíde, o grande amor da vida de António. Desengane-se aquele que acha que os filmes portugueses são aborrecidos, com argumentos fraquinhos ou maus atores. Prova disso é esta biografia que nos prende à cadeira almofadada da sala de cinema, do ínicio ao fim, deixando-nos com aquela sede de mais e mais.

Estreia a 22 de Agosto! Que é mais do que tempo suficiente para ir recordando as músicas que hoje em dia ainda são tão relevantes como há 35 anos atrás. Foi em 1984, na noite de Santo António, que António Variações partiu, vítima de uma doença maldita sobre o qual pouco ou nada ainda se sabia na época, deixando para trás um legado e um pouco mais de cor e alma, de quem é considerado o inventor da pop nacional. Tivesse nascido fora de Portugal, teria tido indubitavelmente muito mais destaque sucesso em vida, mas seria provavelmente apenas outro mais. Não seria o nosso António.

Só eu sei que sou erva
Erva daninha alastrar
Joio trovisco ameaça
Nas ervas doces de enjoar
Só eu sei que sou barro
Difícil de se moldar
Argila com cimento e saibro
Nem qualquer sabe trabalhar
in “Erva Daninha a Alastrar”, António Variações.
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Variações - “Que me importa o que serei, quero é viver”
Incrível
Catarina Loureiro
Escrito por:

Autora. Artista. Cismadora.

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